Wednesday, January 04, 2006

O bar

O bar é um lugar íntimo. É onde se fala mal de todas as pessoas que incomodam durante a semana. Quase um lar, para que todos nós tenhamos a oportunidade de sermos inconvenientes sem culpa. Ou com culpa mesmo, mas o fato é que no bar tudo parece mais inofensivo. Uma cervejinha ou duas é uma soma inofensiva, principalmente depois das outras trinta e duas. E todos falam ao mesmo tempo, contam as histórias de bar ao mesmo tempo, bebem ao mesmo tempo e de alguma maneira, convergem harmoniosamente na risada final, tudo ao mesmo tempo. Ninguém tem que ouvir ninguém. Ou porque é lei, ou porque a música é muito alta, ou porque estão todos muito bêbados ou talvez porque tenhamos todos a mesma idéia egocêntrica de que o que eu tenho pra dizer é muito mais interessante. Aliás, vocês já ouviram aquela do...
Talvez seja a sensação de estar livre. Quer dizer, na verdade, o bar é uma instituição de manutenção do nosso equilíbrio psicológico. É onde as pessoas se abrem e dizem até aquilo que não sabiam que queriam dizer. E é claro, se arrependem no dia seguinte. Mesmo assim, ainda sobra o triunfo tradicional: “eu estava bêbado”. Hoje em dia, funciona melhor do que hábeas corpus. E também não precisa dizer, “perdoa-me padre, pois eu pequei e nem me lembro direito”. “Eu estava bêbado” já basta. Se não te perdoarem, pelo menos você teve a decência de se justificar.
Outra vantagem do bar é que socializar não exige muita inteligência. Todos são iguais perante o bar. Na verdade nem é preciso falar muito. Uma ou duas frases colocadas na hora certa e no contexto adequado podem garantir a imagem de uma pessoa pelo menos agradável:
– POIS ENTÃO, DUDU!! É VERDADE OU NÃO É?!?
Então, dependendo da verdade, você bate na mesa e diz:
– É ISSO MESMO!! TÔ CONTIGO E NÃO ABRO!!
Ou, no caso da resposta ser negativa:
– GARÇOM, TRAZ MAIS UMA!!!
A única hipótese de ser excluído perante a fraternidade de um bar é pedir, ao invés de uma cerveja, um refrigerante. Pior ainda: uma água.
– Sem gás, por favor.
Nesse momento você se torna um corpo estranho, uma espécie bizarra, quase irreconhecível. Algo assim como um ornitorrinco. Ainda por cima, um ornitorrinco que não bebe. Mas tudo bem, diz o bar. Talvez você seja só uma pessoa infeliz que ainda não descobriu o sentido da vida. Então, vem a pergunta, desconfiada, mas com um certo ar de compaixão:
– Você não bebe??
É quando você percebe que se disser simplesmente “não”, deixará de ser um ornitorrinco infeliz e passará a ser visto como um traidor. Um traidor, um invasor, um espião, um dissimulado e um “duas caras”. Afinal, tudo pode ser perdoado numa mesa de bar, menos essa sua sobriedade. Até a pronuncia da palavra “sobriedade” já é meio sóbria. Uma afronta. É quando você responde:
– Hoje não. Estou tomando uns remédios para gastrite e...
Assim, por causa da gastrite, só dessa vez, está perdoado. Ou quase perdoado. E você sabe disso porque todo mundo faz aquela expressão de falsa compreensão, antes de mudar de assunto:
­ – Aahn...

3 comments:

Anonymous said...

Tipo de post que merece comentarios... mas vou me abster.

arnoanderson said...

Isso sem falar na puta senso igualitário que é um bar. Tanto o executivo como o faxineiro bebem a mesma coisa.
Loira, gelada.

Anonymous said...

Filosofia de bar. E ponto!