Thursday, August 23, 2007

Barulhentos

Não interessa se você é católico ortodoxo, católico carismático, protestante, pentecostal, evangélico, testemunha de Jeová, batizado, comungado, pastor, padre, bispo, papa ou qualquer outra autoridade religiosa cristã. Se você é barulhento, eu sou obrigado a ouvir as suas músicas, as suas pregações e os seus posicionamentos religiosos contra a minha vontade. Mas eu vos perdôo, porque não sabeis o que fazeis. Se soubesses, não o faríeis, claro. Mas vós o fazeis. Enfim. Vós não me amais.
Tudo bem, porque eu vos amo. Como diz o poeta brasiliense, é preciso amar as pessoas como se não houvesse amanhã. Porque se você parar pra pensar, vai imaginar aquele barulho todo acontecendo de novo no final de semana que vem e pode acabar pensando em fazer algo pouco cristão. Mas o fato de eu ser assim, fraternal, iluminado e espiritualmente superior, não significa que eu aprove vossa conduta barulhenta. Até onde eu sei, Jesus não gritava nos ouvidos do próximo. Aliás, suas palavras certamente não teriam o mesmo efeito:
- AMAI AO PRÓXIMO COMO A TI MESMO!!!!!!!!!!!
Os discípulos entreolham-se.
- Por que ele está gritando?
- Mestre, por que gritas?
- E A DEUS ACIMA DE TODAS AS COISAS!!!!!!!!!!!!! ESTÁS OUVINDO?!?!?!? A DEUS ACIMA DE TODAS AS COISAS!!!!!!!!!!!!!!
É difícil encontrar novas intersecções religiosas entre as dissidências cristãs. No entanto, hoje em dia há os “barulhentos” e qualquer dissidência cristã pode se adequar à prática.
- Eu sou evangélico da pastoral.
- Ahn. Bom, eu sou católico ortodoxo.
- Sei...
Fica aquele clima. Mas...
- Mas eu sou católico ortodoxo barulhento.
- Você é barulhento!?!?
- Sim!!
- Eu também!!!
E os dois saem abraçados às gargalhadas, à procura de um microfone ou amplificador.
A origem dos “barulhentos” pode ser explicada pela simples observação da história. São resultado das dificuldades dos primeiros pregadores que, defronte ao aumento de fiéis, precisavam gritar para serem ouvidos pelas multidões. Ou talvez façam parte dos cristãos mais remotos que eram obrigados a se esconder e realizar suas cerimônias em catacumbas: agora, berram nos microfones só por vingança.
Os barulhentos são inovadores. “Não roubarás”, por exemplo, tem lá suas exceções: é permitido roubar o silêncio e a paz alheia, uma vez que, não há como saber se o silêncio do próximo significa que está sendo iluminado por um anjo ou que está mergulhando nas trevas, tentado pelo demônio. Na dúvida, melhor ser barulhento e salvar mais uma alma.
- Irmão, estou tentando pensar um pouco. Que barulheira é essa?
- É que esse silêncio todo me deixou preocupado!
- Mas foram só cinco minutos!
- Você devia se envergonhar!!!
- Mas foram só cinco minutos!!
- Tá bom, eu não conto pra ninguém.
Mas não se trata de muitos ou poucos minutos. Os barulhentos devem estar em constante alerta. E por conseqüência, todos à sua volta também. Afinal, até onde se sabe, “não matarás” se refere ao próximo e não ao silêncio. E também não há nenhum mandamento dizendo “não incomodarás”. Mas há um problema: o silêncio é imortal. Toda vez que cessa o barulho, ele reaparece, tão silencioso quanto antes. É preciso vigiar. E dormir com a televisão no volume máximo, só pra garantir.