Monday, October 26, 2009

O chão

Se eu puder voar
antes de chegar ao chão
o chão voará,

voará por entre as árvores...
que estarão cantando,
A revoada,

o vento e o nada, que são.

E às passadas,

aos saltos e foles,
as notas serão

Como é o vento,

entoando sua canção de ar.

soando o movimento
as vidas que vão,
nas músicas que voam,
Vão levantando vôo
levam a enlevar,
Os vôos,

Tuesday, September 01, 2009

Qualquer coisa

Gosto de escrever nas horas vagas. Mas se escrever é uma tarefa, sinto a preguiça chegando, invadindo a minha sala e me dizendo que está com saudades. No entanto, logo me diverti com a idéia de que posso escrever qualquer coisa. Principalmente quando ficou claro que “qualquer coisa” é uma concessão. “Qualquer coisa” é uma coisa, assim, tipo, sei lá, que tem a ver. Não é qualquer coisa. É uma coisa específica.
Mas então que coisa seria essa?? A princípio, me parece uma coisa liberal, direcionada e objetiva. Só que depois de alguma análise, a coisa pode ser subjetiva também e até mesmo sem uma direção fixa. E como se não bastasse a simples complexidade da coisa toda, a coisa tem lá suas restrições. Enfim, é uma coisa realmente difícil.
E foi pensando nessa dualidade da coisa que surgiram algumas soluções. A primeira foi a mais óbvia. Relembrando a sabedoria popular, sabemos que “uma coisa é uma coisa e outra coisa é outra coisa”. Ou seja, uma coisa é escrever “qualquer coisa”. Outra coisa é escrever uma coisa qualquer. Todavia, não satisfeito com o tratamento simplório dado à questão, surgiu a segunda possível solução: a coisa, nesse caso, seria uma coisa taoísta, que vai além da dualidade desse mundo de concepções equivocadas, incompletas e ilusórias. Para definir “a coisa”, seria necessário entender as nuanças entre muitos extremos e opostos que se sobrepõem, delineando assim o caminho de sua compreensão.
Contudo, o significado real da coisa ainda não parecia contemplado. Foi quando descobri uma terceira solução e esta sim, me passou mais segurança e satisfação: percebi que a coisa não precisava ser conceituada ou explicada. A coisa, em si, não carregava sua auto-definição. A coisa era o reflexo direto da intenção. Se a intenção fosse correta, não escreveríamos qualquer coisa. E por outro lado, com a intenção correta, poderíamos escrever qualquer coisa.

Liberdade

Pra que amassar as folhas da grama,
sem passar por ela?
Pra onde perder o olhar,
que sequer se encontrou?
Como ouvir as músicas da água,
se não se ouve a própria respiração?
Por quanto se espera pra sorrir,
se o sorriso é estar aqui?
Qual a vida que se liberta,
se a vida é liberdade?
O que é que fará o teu dia,
se não basta o amanhecer?
Quando haverá a beleza,
senão quando o sol nascer?

Monday, June 08, 2009

Tele-marketing





O guri não atende ao telefone, está ocupado desenhando. E deixa o telefone tocar, porque sabe que ainda não sabe atender direito. O pai vem correndo atender, dá um “alô” meio ofegante. O guri logo se interessa, pára de desenhar e fica olhando o pai ao telefone.
E o pai diz:
- Não, não. Não. Não, muito obrigado. Não, eu realmente não quero, obrigado. Não, olha, obrigado, obrigado mesmo, mas eu não quero. Então. Eu fico muito agradecido, realmente, muito obrigado, mas não, obrigado. É, não, não quero não. Nããão, nããão... mas obrigado, viu? Infelizmente, minha resposta é não. Pois é, desculpe, mas não... Não, obrigado. Tchau-tchau.
Antes de voltar a desenhar, o guri fica pensativo.
- Pai, aquilo que você não queria...
- O que é que tem?
O guri pensa mais um pouco. E conclui:
- Tem certeza?

Wednesday, February 11, 2009

Elevadores


Todos tinham aquela expressão de elevador. Aquele silêncio de elevador. A respiração de elevador, o pensamento de elevador. A postura de elevador. A disposição itinerante, a fixação na busca ávida da luzinha que indica o fim da agonia - e finalmente, o andar que se quer descer.
De repente, há uma palavra imprópria para elevadores. Obviamente proibida à etiqueta em elevadores.

- Oi...
Soava como um pouso de pára-quedas forçado, no mínimo singular, isto é, num elevador. Além disso, a palavra descabida não era ninguém falando ao celular. E também não era um cumprimento discreto para ninguém.
Era, de fato, só um “oi” mesmo. Daqueles que socializam. Um “oi” bem intencionado, simples, sem grandes pretensões. Quer dizer, simpático. Daqueles que socializam.
Mas dentro do elevador. Fechado. Fechado, isolado, cerrado e em movimento, com pessoas dentro, entende? Daquelas que apertam os botões discretamente, ou que dizem “Ahm... quinto, por favor...”. Quer dizer, pessoas mesmo, passageiros, itinerantes, que entram no contexto da realidade de elevador. E que, uma vez dentro do contexto, ou do elevador, não
sabem o que fazer: pessoas que olham para cima, que olham para baixo, que olham para a porta, que olham no celular, que olham o relógio, ou que olham para um nada específico, quando por uma dádiva divina, ainda há um. São pessoas de elevador, que realmente não têm escolha. Talvez até tivessem, afinal sempre se pode usar a escada. Mas agora já estavam ali.
Porém, como aquilo não podia estar acontecendo, só duas ou três pessoas se dignaram a olhar para trás, e, antes que pusessem seus olhos nos nadas de elevador novamente, acalmassem seus corações e voltassem aos seus pensamentos cotidianos, tiveram que ouvir de novo:
- Oi!!
Agora sim. Agora ainda mais alegre, o “oi” havia transcendido seu aspecto transgressor. Havia mais que uma simples transgressão da ética, dos bons costumes de elevador, da educação e da etiqueta em elevadores. Naquele elevador, já não se tratava mais de enfrentar meros constrangimentos ou afrontas aos itinerantes. Pois que então, naquele elevador, aqueles itinerantes tornavam-se os escolhidos pela vida, pelo tempo, pelo acaso, pelo destino. Ou, só pelo elevador, mesmo. Mas a grande questão é que era preciso sabedoria, para presenciar com firmeza o momento, o exato momento, em que a convivência em elevadores talvez mudasse - e nunca mais fosse a mesma. Toda aquela situação era provavelmente um marco biográfico, uma experiência única, algo que só ocorre a cada cinco ou seis eclipses, um contato imediato com algum tipo de vida alienígena, sei lá. E a vida alienígena ainda resolveu acrescentar:
- Tudo bom?
Também não era um vendedor. Tampouco uma criança e nem mesmo um moço do campo com costumes menos urbanos, tentando puxar conversa... Não era ninguém pedindo esmola. E não era alguém cordial, que procurava chamar a atenção para algo que pudesse ter caído do bolso de outrem.
Não. Para o terror de todos ali presentes, era uma jovem de ar disposto, dizendo um “oi” simpático - daqueles que socializam - como se não estivesse em um elevador. Ou, pior ainda, como se simplesmente ignorasse o fato. Vai saber se os alienígenas usam elevadores. Além disso, a moça se vestia bem, não aparentava insanidade mental. Tinha os olhos vivos e uma expressão saudável. Para uma alienígena então, estava ótima.

Em seguida, um senhor mais à frente da porta resolveu voltar-se e encarar a jovem. Se ela dizia "oi” em elevadores, teria que pelo menos se dispor a suportar a sua antipatia. Afinal, não se diz um “oi” socializador como aquele, assim, dentro de um elevador, impunemente. Se a moça tivesse assistido a um ou dois filmes de ficção científica já saberia como os extraterrestres podem ser incivilizados. Não seria surpresa alguma se ela estivesse ocultando um “laser” destruidor dentro da pochete, esperando o momento certo para agir. Era preciso detê-la o quanto antes. E para isso, o senhor da frente virou-se, estufou o peito e encarou a moça.
Mas nada a atingia. Nada a intimidava. Para a senhorita alienígena era como se o elevador e a sua moral fossem uma realidade paralela, uma insignificante ilusão. Talvez fosse, sei lá, a volta do messias, dessa vez em forma de mulher, aparecendo pela primeira vez em um elevador só pra testar a receptividade das pessoas. Ou podia ser uma campanha publicitária de pasta de dente, já que o mau hálito não permitiria proferir um "oi" coletivo daqueles dentro de um elevador cheio.
Contudo, antes que o senhor da frente encerrasse seu olhar reprovador, a moça disse, logo em seguida ao aterrorizante “Tudo bom?”, que estava fazendo uma pesquisa de campo e...
- Minha primeira pergunta é... o senhor socializa em elevadores?

Tuesday, January 27, 2009

Azul da manhã


Há um azul do dia.
Desde a manhã
há uma música azulada e fria,
que os olhos amanhecem
com o infinito.

Há uma manhã,
infinitamente sã,
que nasce todo dia
e toca a música que guia
o olhar bonito.