Monday, May 12, 2008

De sol

Dos ares da manhã
se vê teu gesto de sol:
onde nasce a alma sã,
onde o dia que canta, não está só.
E o nascer dos olhos, que há em ti
me lembra dos pássaros,
cantando por aí.

Friday, May 02, 2008

Você vai?

As mais simples relações sociais nacionais ainda podem ser bastante confusas. Uma mesma conversa pode ter diferentes significados, tudo depende de um entendimento abstrato e intangível que só nós brasileiros entendemos, ou quase entendemos. Por exemplo, na hora de marcar alguma coisa:
- Legal, legal. Então... você vai?
Nesse momento cria-se uma tensão surda. Tão surda que o outro até pergunta:
- Ahn?
- Perguntei se você vai.
É aqui, nesta reafirmação, que o ego de quem pergunta se levanta de repente, desembainha uma espada e atira,
aos brados, o desafio: “Em guarda, soldado!! Aceita-me agora e pouparei tua vida, infeliz miserável!!”
E o outro, meio desconcertado, responde:
- Ahm... vou sim. Quer dizer, vou tentar ir, com certeza.
Sim! É a resposta do fidalgo, outrora despreparado para o combate!! Mas agora, meus convivas, agora a ofensa foi instigada... o desafio é eminente!! O ego desafiante expôs o próprio peito em franca contenda, perguntando se você vai!
Em outras palavras, você deve, portanto, decidir se vai ser um antipático insensível e recusar, ou se vai dar uma desculpa esfarrapada, ou ainda, se vai, enfim, para lá mesmo, para onde está sendo convidado:
- E que comam o pó da terra, aqueles que desafiam a estabelecida simpatia subjacente social brasileira!!
- Como?
- Ahm, nada. Que bom que você vai. A gente se vê lá, então.
Afinal, não importa o quanto o outro quer ir ou não. Não se pode deixar de comparecer com a simpatia brasileira assim, de repente, como se sinceridade fosse artigo de armazém.
Mas há ainda outra questão. Dependendo da entonação da pergunta, pode não ser um desafio e a resposta, por sua vez, também pode não ser uma mentira diplomática. Algumas pessoas dizem que tentam ir e, por estranho que possa parecer, de fato tentam. Umas conseguem, outras não. Contudo, há aquelas que, favorecidas pelo destino, não tentam nada e simplesmente vão - mas não por causa do convite: são pessoas que simplesmente acabaram indo parar lá, no mesmo lugar que você. Pura coincidência. Em seguida ,recebem aquele "que bom, você veio!". E se aproveitam disso:
- É claro que eu vim! Mas que coisa, rapaz.
É a virada! A repentina mudança do destino, o destino, aquele canalha que muda de amigos só pra se divertir.
- É que você parecia que...
- Pô. Até parece que você não confia.
O ego desafiador, que provocava e que expunha o próprio peito ao combate, agora se envergonha da sua incivilidade:
- Não, é que eu...
- Eu não te disse que ia tentar vir??
- Disse.
Então o desafiado desfere o golpe final, sem qualquer demonstração de clemência:
- Pois eu estou aqui ou não estou?!?!?
E já que não tem como negar a presença de quem fisicamente pergunta, o assunto está encerrado - a derrota eminente se fez triunfal e solene sobre o desconfiado desafiante.
Os simpáticos cavalheiros, normalmente se cumprimentam após o combate, a tal simpatia subjacente mantém o ocorrido em segredo e não se fala mais nisso. Quer dizer, tudo acaba ali, no golpe final. Mas isso, é claro, se forem cavalheiros.
- Aliás, você é que anda sumido. Não aparece mais...
- Não, é que eu...
Aqui, o ego desafiado não há de se contentar com a derrota do outro. Não! É preciso fazê-lo pagar pela ousadia, pelo atrevimento!
- Você parece que não liga mais pros amigos... não aparece.
E antes que o outro possa dizer, “bom, eu estou aqui, não estou?” para se defender, a espada da vingança penetra mais fundo no dorso do ego moribundo:
- Pô, cadê você, cara?!?
Contudo, mesmo após a derrota, o desafiante infamador corre pelas veladas planícies antipáticas, às vezes feliz por encontrar um pouco de antipatia, às vezes rabugento por não encontrá-la. Quando reencontra casualmente aqueles que empenharam sua palavra dizendo que estariam presentes, aqueles que aceitaram o convite só para manter a etiqueta da simpatia, regozija-se com o momento da vitória, lança-lhes o olhar de reprovação e, só pra começar, diz:
- Pô, cadê você, cara?!?