Sunday, December 03, 2006

Genival

O bar vazio e os dois lá. Já tinham passado por todos os assuntos. Mulher, futebol, a maldita política econômica, os causos engraçados, essa vida sem tempo, que correria, sabe que o fulano casou? Não tinham mais assunto. Estavam com aquela expressão de que já não tinham mais nada a ver com isso. Já estava tudo assim quando eu cheguei. E não sou eu que estou bêbado, é essa cerveja que não me respeita.
Só restava mesmo ir embora. E os dois ficavam.
- Sabe o que é? Eu devia ir embora.
- Hum. Sei como é.
- Pois é.
- Então vamos indo.
- É, vamos.
- Vamos que vamos.
- É. Vamos lá.
- Isso.
Mais alguns minutos de despedida e pediram mais uma.
- Genival! Ô Genival, traz a última aqui!
- Esse Genival...
- Que é que tem?
- É uma figura.
- Figuraça.
- Mas sabe o que é? Ele é antigo. Garçom bom é garçom antigo.
- Hum. Sei como é.
- Pois é.
Os dois debruçados na mesa. Debruçados não, esparramados. Quase derrubavam a cerveja, quase se derrubavam, perguntavam um pro outro qual cerveja era de quem. Mas não iam embora.
- Porque o outro não é tão bom. Bom mesmo é o Genival.
- Sei.
- Genival é nome de garçom. Assim, pelo menos daqui.
- É verdade. Garçom daqui tem que se chamar Genival.
- Exatamente. Tem que ser Genival.
- Isso.
Ficou aquele silêncio. Quase como se estivessem tomando mais um tempo para refletir sobre o assunto.
- Porque o cara devia nascer e, se tivesse cara de garçom, devia se chamar Genival. E logo depois, devia ser encaminhado pra escola de garçons. “Escola de Garçons Genival”.
- Exato. Está aí. Escola de garçons.
- Deviam todos entrar na escola de garçons, pra aprender a ser como o Genival.
- É isso aí. Tem que ser Genival.
- To certo ou to errado?
- Tá certíssimo.
Chega o Genival. Serve a última com a mesma cara de sempre.
- Obrigado viu, Genival?
- É isso aí. Pô, Genival. Valeu, hein?
- Você é uma figuraça, Genival. Está pra nascer outro igual a você!
- Grande Genival.
E o Genival:
- Já posso trazer a conta?
De repente, num gesto instintivo, afastaram-se da mesa, recostaram-se sobre as cadeiras como que mais dispostos, os olhos mais despertos e aquela expressão de que aqui, obviamente, ninguém está bêbado. Ora essa. Essa é a minha cerveja e aquela é a sua.
- O que é isso Genival?
- Mas que conta, Genival, que conta?
- Quem é que falou em conta aqui, Genival?
- Mas Genival, nós estávamos aqui, elogiando o seu trabalho. E você vem com essa história de conta, Genival.
O Genival deixou os dois falando sozinhos, dizendo que o bar já estava pra fechar.
- Você veja só.
- E eu aqui, pensando na “Escola de Garçons Genival”.
- Que absurdo.
- A conta! Vê se pode? Não são nem... que horas são?
- Qual é a minha cerveja, hein?
- Hum. Não sei mais. Pega essa aqui.
- Essa tá quente. Ô Genival!!
- Pô, mas esse Genival, vou te contar hein?
- É, pois é.
- Chama o outro, que é melhor.