Saturday, September 09, 2006

Iogurte e refrigerante

Ele tentou dizer. Não dá. Chega disso. Cansei. Parei contigo. Não me liga mais. Mas ela não transigia, não o deixava em paz. Foi quando ele disse:
- Arrumei outra.
E ela não disse que ele era um canalha e que ia jogar todas as fotos deles fora, e não disse que esperava mais dele depois de tanto tempo e que agora sim ela esquecia dele de uma vez. E também não fez um silêncio interminável ao receber a notícia de que ele, um amor de 9 anos, tinha arrumado outra. Ela simplesmente disse:
- Não inventa.
E ele sustentou:
- Arrumei sim.
- Arrumou nada. Você não arruma nem seu armário.
- Pois arrumei. E ela está vindo pra cá.
Ela fez uma expressão de desdém. Mas ficou atenta com o canto do olho. E enquanto a outra não chegasse, eles iam se lembrar da segunda lua-de-mel, em Veneza. Ou, melhor dizendo, ele ia ser lembrado mais uma vez, da segunda lua-de-mel. Em Veneza. Ganharam um daqueles prêmios promocionais de refrigerante. Ou era iogurte?
- Você sempre pergunta isso. Já não te falei, mil vezes?
- É, pois é. Mas eu esqueço.
- Você sabe que isso me irrita.
Ele aproveitou pra chamar o garçom. Ia pedir um refrigerante, mas repensou. Ela sempre criticava o refrigerante. Muito açúcar.
- Me traz um... uma água. Com gás. Não, faz o seguinte. Me traz um suco de limão.
Acrescentou mentalmente: “com gás”. E esboçou um meio sorriso.
- Que sorriso é esse?
Ele ia responder e a outra chegou. Beijaram-se. Ele a apresentou para a outra. A outra disse "ouvi falar muito bem de você", era simpática. Comentou que tinha adorado a história de como os dois tinham decidido ter uma segunda lua-de-mel.
- Gostei tanto da história que me inscrevi numa promoção dessas também!
E ele perguntou:
- Dessas de refrigerante?
Ela gritou “garçom!!”, como quem grita “socorro!!”. E a outra:
- Não lembro.
Foi aí que ela se conformou e passou no supermercado pra comprar iogurte.

Do futuro

Não sei o que é o poeta
porque ele tem um ar
de quem não é daqui.
Um ar de profeta,
que olha pro mar
e não pára de sentir,
saudades do futuro.
Como se já estivera lá
como se morasse puro
nos dias virgens
que nossa alma verá.
O poeta,
parece que é tanto,
e assim parece, só de olhar.
Eu só espero que sempre volte
com pedaços de amanhã
pra nos contar.