Thursday, December 20, 2012

Almoço (ou Fim do Mundo)

Há pouco tempo me disseram que o mundo ia acabar. Com data marcada e tudo. E que, portanto, era preciso resolver questões, definir prioridades, etc. Quase afoito, perguntei que horas eram, franzi a testa, respirei fundo, tomei fôlego, e disse:

- Que fome!

Mas não é que comer seja uma prioridade acima de todas as outras coisas mais importantes, como dormir, relaxar e descansar, quer dizer, não é que eu não dê a mínima para resolver questões ou definir prioridades. É que não se deve ir ao fim do mundo de estômago vazio. A não ser que seja uma comemoração, claro. Aliás, eis aí uma pergunta de fato relevante: o que comer na última refeição?

Quando dizem que o mundo vai acabar, parece que as pessoas finalmente começam a interpretar e entender que nós vamos passar por um fim. Ou, em outras palavras, parece que as pessoas começam a compreender que vamos morrer:

- O mundo vai acabar!! Vai acabar!!

- Po, e eu, que ainda não almocei?!? E já são quatro horas!! Quatro horas!!

Todos nós sabemos que a idéia do fim do mundo marca a urgência de fazer algo importante. Normalmente, algo importante que provavelmente não estávamos fazendo direito: viver. Há muitas razões e explicações para isso, quer dizer, para “não viver direito”. Desde as justificativas mais incontestáveis como “agora não, to no banheiro” até as mais bobas como “tenho que passar no concurso”, cada um tem um jeito seu de se conciliar com a vida que vive.

Por isso é importante que haja o fim do mundo, de vez em quando. De preferência um evento anunciado, claro. Assim surge a idéia de questionar tudo, antes que o mundo acabe... de novo. Ou seja, toda vez que o mundo acaba é um evento muito igual aos outros. Há uma expectativa, uma reflexãozinha aqui, outra ali, depois devem colocar algumas fotos na internet dizendo como esse fim do mundo foi bom. Nada de grandes novidades.

Alguns dias antes do evento, o máximo que pode acontecer é você ter que almoçar às quatro horas da tarde e o atendente da lanchonete parar pra pensar em voz alta:

- Pra onde vamos...? Quem sou eu?

E tudo que você tem que fazer é responder “você é o sujeito que está demorando demais pra trazer meu sanduíche” e refletir que, diante de tamanha fome, se o seu pedido demorar só mais uns cinco minutos o mundo pode realmente ser destruído, antes do previsto.

Por essas e por outras, eu decidi que não vou. Não vou ao fim do mundo. O mundo pode acabar à vontade, as pessoas podem se entreter com isso, mas eu não vou participar. Não é que eu prefira ficar em casa, relaxando ou descansando. Também não sei se o fim está marcado para a hora do almoço, o que me impediria de ir, de qualquer forma.

É que viver é mais importante pra mim. Acredito que estou caminhando pelo aprendizado de viver direito, no tempo que tenho, que é agora. Só agora, com nada mais nada menos do que eu mesmo, é que eu posso continuar vivendo de verdade. Eu, na condição de eu mesmo, ou ainda, “em nível de mim”, estou vivendo, vivendo mesmo, no tempo que está disponível: agora. O daqui a pouco pode até estar quase chegando, mas eu sou o que sou neste momento. E agora o mundo não está acabando.

Acredito sim, que podemos nos iluminar em um instante. Mas na minha forma de ver a caminhada da vida, o fim do mundo não tem muito mais influência do que um almoço atrasado, às quatro da tarde.

Saturday, December 08, 2012

Absurdo



Na padaria:
- Cinco pães, por favor.
- Acabou.
- Acabou o que?
- O pão.
- Mas é um absurdo. Isso aqui é uma padaria.
Depois disso, ele nunca mais foi na padaria. E desde então, passou a desconfiar de tudo e de todos. Na farmácia, entrava só pra perguntar:
- Vocês têm remédio, aí?
Muitos riam, às vezes ficavam perplexos e alguns simplesmente o enxotavam dali, antes que ele incomodasse os clientes. Mas como nunca respondiam se tinham remédios na farmácia ou se tinham cerveja no bar, ele voltou a freqüentar a padaria.
Afinal, era um mundo louco e sem lógica nenhuma, mas pelo menos na padaria levavam ele a sério.
- Tem pão hoje?
- Já é a quarta vez que o senhor pergunta isso.
- Desculpe. É que, sei lá. Podia não ter.