Há pessoas que se caracterizam por uma maestria inconsciente em evasivas. São pessoas que, até onde elas mesmas sabem, estão honestamente dispostas a responder à sua pergunta. Conscientemente, no entanto, as
respostas mais simples e diretas parecem realmente não estar disponíveis. Ao tentar se comunicar com elas, é provável que você seja envolvido em algum tipo de trabalho evasivo.
- Que horas você vai chegar?
- Que horas você vai chegar?
- Olha, eu pretendo sair e me encontrar com a Ana, a amiga
do Vito, porque depois ela já não pode mais, pois ela teve um problema com o
Júnior, que aliás, me disse pra te lembrar de passar no banco, aquele que o
Flávio te levou, e pegar aquela grana.
Eis então, quando, infelizmente, você pergunta:
- Mas que grana??
E aqui, está iniciado o trabalho evasivo.
- Como assim, “que grana”?? Aquela grana do computador do
marido da Lurdes.
Perdido, você logo se irrita com sua própria desorientação:
- Mas que “Lurdes”?!?
O mestre evasivo, por sua vez,
o trata como um interlocutor mais que meramente desatento ou distraído, isto é, como
alguém inacreditavelmente desorientado, mesmo:
- Pô, é brincadeira isso?!? A Lurdes!!! Mas como é que você
não se lembra da Lurdes?!?!?
Se você não estivesse tão confuso, diria:
- E você, que não consegue nem me dizer que horas vai
chegar?!?!?
Mas você está confuso. Faz parte da maestria em evasivas. São várias perguntas sem resposta que, uma vez respondidas, não dizem o que
você queria saber, ou dizem o que você não lembra se quer saber, ou dizem o que
ainda quer saber mas não lembra o que era; enfim:
- Mas que Lurdes é essa, meu Deus?!?
O outro insiste e diz “A LURDES!!!!”, tentando acordar seus
neurônios, ativar sua desfavorecida e inepta memória. Mas antes mesmo de você
dizer palavras de baixo calão sobre a Lurdes, o marido dela e o computador dela,
o outro faz uma expressão de incompreensão, indignação e desapontamento. Significa
que ele realmente não consegue acreditar que você não lembra da Lurdes e que desiste
de tentar se comunicar com você, que é obviamente uma pessoa dispersiva demais,
desatenta demais, e pouco objetiva para sustentar qualquer diálogo minimamente eficiente:
- Não acredito que você não se lembra da Lurdes!
Neste momento, você junta todas as suas forças para encontrar
algum sentido na idéia da convivência pacífica e na realidade daquela conversa
evasiva, lembrando então, o que a iniciou:
- Mas, então, afinal, que horas você vai chegar??
- Bom, eu vou ter que sair agora com a Ana e talvez a gente
encontre com o Flávio também, por causa do problema dela com o Júnior, que,
como eu já disse, foi quem pediu várias vezes pra eu lembrar você de ver aquele
assunto do computador do marido da Lurdes.
Quer dizer: nada sobre que horas o outro vai chegar. Tem a
Ana. Tem o Júnior. Tem o Flávio, a Lurdes e um enredo que pode até ser
interessante. Mas nada que informe realmente sobre que horas o outro vai
chegar. Então, enquanto você tenta encontrar um sentido juntando partes de informações inúteis, o outro ainda
explica:
- É aquele banco que o Flávio te levou... o Júnior me disse
pra te lembrar de passar lá e pegar aquela grana.
E irrefletidamente, você cai de novo na mesma armadilha:
- MAS QUE GRANA!?!?!?
Agora, além de ser uma pessoa desmemoriada e difícil de dialogar,
você é comprovadamente uma pessoa incrivelmente rude. Evidentemente pouco acostumada a
discussões educadas, civilizadas. O outro faz então, uma expressão de desaprovação, deixa
muito claro que é impossível conversar com alguém assim e resolve ir embora.
Contudo, num gesto de caridade com a sua personalidade difícil e desajustada, antes de ir, o outro decide ajudá-lo, isto é, simplificar toda a questão:
Contudo, num gesto de caridade com a sua personalidade difícil e desajustada, antes de ir, o outro decide ajudá-lo, isto é, simplificar toda a questão:
- Olha, eu tenho que sair, mas deixa que eu vejo isso aí com
a Lurdes pra você, pode deixar que eu falo com ela... Deixa que eu resolvo isso
aí. Só me diz uma coisa: a que horas você vai chegar?
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