Tuesday, September 27, 2011

Minha laranja

A luz laranja do que vês
traz de mim, o que eu não sei
são olhos laranjas, que achei
como se vissem tudo pela primeira vez.

O compasso agitado
é porque quero aprender
o ritmo que te lê
que toca, teu loiro-alaranjado.

Quero ler cada pedaço
como se soubesse tocar
como se em cada abraço
o alaranjado pudesse me musicar.

Sunday, August 21, 2011

Pedras


As pedras amam,
formam caminhos.

E deixam a sós,
nunca sozinhos,
aqueles que amam até as pedras
que formam paisagens em nós.

São montanhas, a respirar com a perfeição
só para que possamos escalar
e aprender o que são.

Tuesday, June 07, 2011

Tu


Do meu lado
apareceu um caranguejo,
que de lado, era tu,
do lado de dentro.

Ao meu lado
eras como te vejo,
a lua bonita
em que não entro.

Lado a lado,
há nosso ensejo,
na palavra digna,
em que me concentro:

tu.

Saturday, March 05, 2011

Bastantes

- Já tomaste um daqueles foras memoráveis?
- Claro.
- E quantos foram?
- Bom, não sei. Mas foram bastantes, como se diz em bom português.
"Bastantes". Fez uma pausa pra pensar. Concluiu que até hoje ainda não tinha se acostumado com o “bastantes”.

- Acho esquisito essa coisa de “bastantes”...
Ela concordou: “bastantes” era bastante esquisito. Quer dizer, “bastantes” não deviam aparecer assim, toda hora, aos montes:
- “Aos montes”?
- É que o "bastante" pra mim, é sozinho, não é acompanhado. Um bastante só, tudo bem. Mas dois, não sei não. Não estou acostumada a vê-los assim.
- Assim como?
- Bastantes “bastantes”...
Claro. Porque o “bastante” não era como o “muito”. Poderia haver muitos “muitos” e tudo bem. Não haveria nada de esquisito nisso. Mas bastantes não. É como se tivessem infringido alguma lei para se tornarem vários ou inúmeros bastantes: multiplicando-se ilegalmente, os bastantes conspiravam então, para acabar com os muitos!
- Sim, porque afinal, se eles já eram o bastante... para que "bastantes"?
- Para acabar com os muitos, claro.
- Exatamente.
- Se antes eles se bastavam sozinhos, por que não se bastam agora? Isso tudo é muito estranho...
Os dois conversaram mais, sobre várias hipóteses. Desenvolveram bastantes idéias em muitas outras.
- Ou seria “muitas idéias em outras bastantes”?
- Acho que estamos levando isso muito longe...
- Quando já dissemos o bastante.
Mas era bastante difícil parar, porque era uma conversa cheia de idéias.
- São idéias bastantes!
Preocupada, ela advertiu:
- Sim, sim, mas ssssshh! Não falemos muito “bastantes” – eles podem se multiplicar... e acabar com os muitos!
Seguindo as hipóteses, os dois constataram que boas idéias soltas eles até que tinham bastantes, mas muitas coerentes, nem tanto. Perceberam, então, o que estava oculto e iminente no meio de toda aquela conversa: “muitos” se foram, pois “bastantes” chegaram!
- Os bastantes são espaçosos!! Não sobra espaço o bastante para os muitos...
Desenvolveram uma teoria.
- Veja que “bastantes” têm mais letras do que “muitos”.
- Mas não muito mais letras. São letras bastantes.
- E mesmo assim, são muito espaçosos!
A nova conclusão clareava tudo. Ou nem tudo, mas clareava muito. Conforme a lógica da nova teoria, os bastantes eram bastante distintos dos muitos. Os bastantes eram, muito provavelmente, bastante, digamos... “gordinhos”.
- Exato. Os bastantes são gordos e usam ternos com suspensórios.
Era incontestável. Os bastantes eram gordos. E era óbvio que usavam ternos com suspensórios.
- Os bastantes não andam muito. Já os muitos, andam bastante.
- Sim, os muitos são magrelas e andam sem camiseta.
Desenvolveram mais idéias: os muitos eram altos, magros e morenos, os bastantes eram mais baixos, usavam ternos e eram branquelos.
- E são mais graves e misteriosos. Os muitos são mais sinceros. Confio mais neles.
Antes que ele perguntasse, ela explicou:
- Os bastantes são muito convencidos, sabe? Acham que se bastam, e só.
Ele contrapôs, dizendo que confiava mais nos bastantes. Se eram tão estranhos e assumiam isso, não tinham porque serem desonestos. Eram espaçosos, mas e daí? Pelo menos eram expansivos. Marcavam presença. Já os muitos tinham necessidade de viverem juntos, pois só um muito não era muito expressivo.
- Claro que... é preciso muitos para uma reunião. Por outro lado, se houver muitos muitos, pode hiper-lotar. Mas se houver bastante, não precisa entrar mais ninguém.
Os dois finalmente concluíram que era necessário encontrar o equilíbrio. Talvez se houvesse bastante muito, mas não muito bastante? De qualquer forma, para reunir os bastantes, só se fosse por teleconferência. Os bastantes eram contraditórios quando juntos. Era fato. O bastante, pleno em sua individualidade, tinha problemas para se juntar com os outros da mesma espécie.
- Justamente. O bastante é tão... cheio de si. Humpf.
Ficou evidente que o crescimento dos bastantes demoraria mais tempo. Não poderiam multiplicar-se rapidamente e acabar com os muitos, porque muitos bastantes não cabem todos juntos num mesmo lugar.
Porém, se o bastante era orgulhoso, por outro lado, o muito era um indefinido.
- Ora, o muito é meio... farofada – concluiu ela.
- “Farofada”? – estranhou ele.
Ela explicou:
- Os muitos lotam a praia, chegam com a família toda, nove pessoas dentro de um fusca com o cachorro e o papagaio.
- Sim, pois se cabem todos no fusca, são muitos.
- Já os bastantes são descabidos. Não caberiam.
Sim. Os bastantes eram uns descabidos. Quase não cabiam em si mesmos, eram bastantes bastantes. E os muitos, eram indefinidos. Tantos quantos fossem, eram muitos muitos.
Depois de bastantes muitos, isto é, muitos bastantes depois, ele acabou lembrando de perguntar sobre os foras memoráveis dela.
- Foram muitos ou bastantes...?
Ela pensou bastante. E muito aliviada, respondeu:
- Só alguns.

Thursday, February 17, 2011

Em nós


Há águas que voam no sol.

Há chamas que molham ao pó
e ventos que ardem no mar.

Há mágoas que soam um nó,
há nós que desatam a rir
e sons que se sentem no ar.

Há tudo no nada daqui
e há nada no tudo de lá.

Tudo é melhor que nada
e nada é melhor que tudo.

O céu ilumina as notas de chuva,
que ardem nos ventos de pedra.

Fixam as ondas do sol,
onde sopra, a música que deságua em nós.

E há liberdade de ensolarar a foz.